domingo, 4 de agosto de 2013

Modernismo Português


Modernismo Português 
Esse movimento literário teve início em 1915, com a publicação da revista Orpheu, que tinha entre seus escritores Mário de Sá Carneiro, Fernando Pessoa, Luís de Montalvor, Almada Negreiros, Rui Coelho, Tomás de Almeida, Alfredo Guisado, Armando Cortes e, de passagem o brasileiro Ronald de Carvalho. Todos os escritores tinham o objetivo de concretizar seus ideais estéticos e atualizar a cultura portuguesa diante do que estava acontecendo no cenário europeu. 
Também influenciado pelo contexto mundial daquele período – 1ª Guerra Mundial (1914), Revolução Russa (1919), EUA assumindo a alcunha de maior potência do mundo – e acompanhando as tendências de vanguarda que nasciam pela Europa, a temática artística apresentava-se com veias de inconformismo, de instabilidade, com o desejo de romper com o passado, de aderir a ideias futuristas, dando maior vida – e visibilidade – ao país. A Europa como um todo vivia um momento de efervescência cultural: a realidade reinterpretada pelos artistas, a crítica aos costumes ultrapassados e a ânsia em aderir e em acompanhar os avanços tecnológicos que rompiam com conceitos já estabilizados, porém atrasados. 
Alguns críticos literários apresentam três fases para o modernismo português: 
  •  1ª Fase Orfísmo, escritores responsáveis pela revista Orpheu, e por trazer Portugal de volta às discussões culturais na Europa; 
  •  2ª Fase Presencismo, integrada por aqueles que ficaram de fora do Orfísmo, que fundaram a revista Presença e que buscavam, sem romper com as ideias da geração anterior, aprofundar em Portugal a discussão sobre teoria da literatura e sobre novas formas de expressão que continuavam surgindo pelo mundo; 
  •  3ª Fase Neorrealismo, movimento que combateu o fascismo, e que defendeu uma literatura como crítica/denúncia social, combativa, reformadora, a serviço da sociedade – extremamente próxima do realismo no Brasil, daí advindo à nomenclatura “neorrealismo”, um novo realismo para “alertar” as pessoas e tirá-las da passividade. 
Foi da primeira fase que participou um dos maiores poetas da história de Portugal, o que melhor soube apresentar em versos os íntimos da contradição de ser humano. 


Fernando Pessoa Biografia:

Fernando Antônio Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa, na freguesia dos Mártires, em 13 de Junho de 1888, filho de Joaquim de Seabra Pessoa e de Maria Madalena Pinheiro Nogueira. Foi educado em Durban (África do Sul), em consequência do segundo casamento de sua mãe com o Comandante João Miguel Rosa, cônsul de Portugal nesse local. Retornou a Portugal onde ainda cursou Letras por um tempo. Trabalhou durante boa parte da vida como tradutor de cartas comerciais para empresas estrangeiras, e publicou apenas dois livros enquanto vivo: “35 sonnets (livro de poemas, em inglês) e “Mensagem”, a obra mais conhecida dele, na qual apresenta o glorioso passado de Portugal e tenta encontrar um sentido para a antiga grandeza e a decadência existente no seu país na época em que o livro foi escrito. Um livro que revisita e também cria uma mitologia do passado heroico de Portugal, repleta de símbolos. Um livro que apresenta proximidade com o que propunha o modernismo quando no seu surgimento: dar maior visibilidade e vida à história e à cultura de Portugal, evitando continuar deixando-a para trás perante o cenário europeu da época. 
Em 1935 foi internado com uma cólica hepática e faleceu. 
Obras- Biografia:

 1912: publica na revista A Águia, os artigos sobre “A Nova Poesia Portuguesa”;
1913: escreve O Marinheiro, drama estático; surge a primeira poesia de Ricardo Reis; dá-se o encontro do grupo de onde surgirá o Orpheu;
 1915: sai os números 1 e 2 da revista Orpheu;
 1917: publicação do Portugal Futurista, com poesias de Fernando Pessoa e o Ultimatum de Álvaro de Campos;
 1918: publica Antinous e 35 Sonnets;
 1922/26: na revista Contemporânea, publica vários poemas e artigos em prosa;
 1927: inicia a colaboração com a Presença;
 1934: publica  "Mensagem".

 1943: publicam-se as Obras Completas, pela editorial de Luís de Montalvor;

Fernando Pessoa – ortônimo e heterônimos
 “Fernando Pessoa é uma das personalidades mais complexas e representativas da literatura européia do século XX. É como ensaísta que primeiro se revela, ao publicar, em 1922, na revista A Águia uma série de artigos sobre “A Nova Poesia Portuguesa”. Afastando-se do grupo saudosista, (…) vai ser um dos introdutores do Modernismo em Portugal. O ano de 1914 fica, na biografia interior do poeta, como um ano decisivo, pelo aparecimento dos heterônimos.”
                                                   Dicionário de Literatura, J. Prado Coelho, Porto, Liv. Figueirinhas;

  • Fernando Pessoa (ortônimo)
  • Alberto Caeiro (heterônimo)
  • Ricardo Reis (heterônimo)
  • Álvaro de Campos (heterônimo)
Os estilos da "Vanguarda”
1. Paulismo – remete para a palavra “Paul”, que significa pântano, estagnação da água. Esta corrente tem raízes no simbolismo e no decadentismo e caracteriza-se pela confusão do objetivo e do subjetivo, pela expressão do vago e do indefinido, pela subtileza das sensações sugeridas.
2. Interseccionismo: Trata-se de um movimento literário fortemente influenciado pela pintura Cubista, tentando-se cruzar ou interseccionar planos: o interior e o exterior; o objetivo e o subjetivo; o sonho e a realidade; o passado e o presente; o Eu e o Outro. Desdobram-se imagens vindas do interior, da consciência, do sonho, com outras imagens apreendidas pelos sentidos e captadas do exterior, da realidade, da experiência. Assim, surge Chuva Oblíqua, poema que inaugura um outro –ismo de Vanguarda.
3. Futurismo – afastamento do passado e sublimação do moderno.
4. Sensacionismo – sensação como base de toda a arte.

 Fernando Pessoa – ortônimo
A produção ortônima de Fernando Pessoa apresenta características bem diferentes das encontradas em seus heterônimos. Fernando Pessoa “ele-mesmo” expressa um profundo sentimento nacionalista e um apego à tradição portuguesa. Sua produção literária é  dividida em: lírica e épica. O livro Mensagem é um exemplo da sua obra épica. Nele Fernando Pessoa, numa clara aproximação com Camões, vai falar dos grandes feitos portugueses, dos reis e da época das grandes navegações.
A obra Cancioneiro, escrita e assinada por Pessoa exploram os temas como solidão, saudade, infância, vida, arte, tédio, ceticismo, e onde encontra-se um dos poemas mais célebre de Fernando Pessoa“Autopsicografia”, no qual o poeta reflete justamente sobre o fazer poético:
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
                          (Antologia Poética, 2001, p. 25).

Na poesia ortônima, podemos distinguir duas fases:
·         A tradicional, na continuação do lirismo português;
·         A modernista, de ruptura com o passado.
A primeira fase está marcada pelo sebastianismo e pelo saudosismo; na segunda mostra-se a procura da intelectualização das emoções.
Na poesia de Pessoa, há um grande conflito entre “pensar e sentir”, entre “felicidade pura e a consciência de si”.
Para o autor, a arte é “o resultado da colaboração entre o sentir e o pensar”.
Para criar a arte, o poeta deve racionalizar o sentimento, daí a necessidade do fingimento. Fingir é inventar conceitos que exprimem emoções.
Pessoa procura, pela fragmentação do eu, a Totalidade que lhe permita conciliar o pensar e o sentir.

Temáticas:
  •   Fingimento;
  • Ocultismo;
  •  Ilusão do sonho;
  •  Solidão, antissentimentalismo.
  •  Consciência do absurdo da existência, que leva à melancolia, ao tédio e à angústia.

Estilo:
  •  Musicalidade.
  •  Verso curto.
  •   Sintaxe simples e linguagem sóbria.
  •    Imprevisibilidade.
  • Uso de símbolos;

Fernando Pessoa – heterônimos
Etimologicamente, a palavra heterônimo significa “que muda de nome”. Não confundir com pseudônimo, pois este último implica que a pessoa seja a mesma, sendo falso apenas o nome. Num heterônimo, pelo contrário, a obra é concebida como que por outro, “fora da sua pessoa”. Estes não são mais do que “personalidades fictícias”, inventadas pelo poeta, para dar resposta à necessidade de expressão de uma multiplicidade contraditória de sentimentos e ideias.
Pessoa ortônimo e heterônimos não são antagônicos, não se opõem, nem têm qualquer papel de superioridade em relação aos demais. São vários autores distintos, várias personalidades autônomas, surgidas do sentimento de um único indivíduo.
Sobre a gênese dos heterônimos, o próprio poeta revela que eles surgem “com os poemas de que são autores e não previamente”.
Nas palavras de Pessoa, “Aí por 1912, salvo erro, veio-me à ideia escrever uns poemas de índole pagã. Esbocei umas coisas em verso irregular (não no estilo de Álvaro de Campos, mas num estilo de meia regularidade), e abandonei o caso. Esboçara-se-me, contudo, numa penumbra mal urdida, um vago retrato da pessoa que estava a fazer aquilo (tinha nascido, sem que eu soubesse, o Ricardo Reis).” Fernando Pessoa, in “Carta a Adolf o Casais Monteiro sobre a gênese dos heterônimos”, Textos de Crítica e Intervenção, Lisboa, Ática.
Assim se constata que cada heterônimo tem a sua própria personalidade, as suas próprias ideias e características.
Vejamos o seguinte quadro de informação retirado de uma carta, sobre cada heterônimo:

Alberto Caeiro
Ricardo Reis
Álvaro de Campos
Nascimento/ Morte- “nasceu em 1889 e morreu em 1915”- “nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo”

- “nasceu em 1887, (…) no Porto”


- “nasceu em Tavira, no dia 15 de outubro de 1890 (à 1,30 da tarde… pois feito o horóscopo para essa hora, está certo” 
Formação/ Profissão
- “não teve profissão nem educação quase alguma”- “não teve mais educação que quase nenhuma. Só instrução primária. Morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha.”- “é médico e está presentemente no Brasil […] pois se expatriou voluntariamente por ser monárquico”- “educado num colégio de jesuítas”
- “é um latinista por educação alheia, e um semi-helenista por educação própria”

- “é engenheiro naval (por Glasgow), mas agora está aqui em Lisboa em inatividade”- “teve uma educação vulgar de liceu. Depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o Opiário. Ensinou-lhe latim um tio beirão que era padre…”

Retrato físico
- “era de estatura média e, embora realmente frágil, (morreu tuberculoso), não parecia tão frágil como era.”- “Cara rapada todos”
- “louro, sem cor, olhos azuis”
- “é um pouco, mas muito pouco, mais baixo, mais forte [do que Alberto Caeiro], mas seco.”- “Cara rapada todos”
- “de um vago moreno-mate”
- “é alto (1,75 de altura, mais 2 cm do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-se.”- “Cara rapada todos”
- “entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado ao lado, monóculo.”

Em seguida, analisamos cada um dos heterônimos:
 Alberto Caeiro
 “Porque tudo é o que é, e assim é que é.”
Alberto Caeiro era o mestre de todos os outros heterônimos e do próprio ortônimo. Apresenta-se como um homem simples, ingênuo, que se entrega às sensações, principalmente as visuais. Para Caeiro, a realidade é o que se vê, se constata, não é subjetiva. Diz-se antimetafísico.
A sua obra lembra Cesário Verde, que, aliás, cita e admira. Interessa-se pela Natureza, pela linguagem simples e direta, pela prosa, pela naturalidade, pelas comparações simples e originais.“A sensação é tudo (…), e o pensamento é uma doença”. Caeiro dispensa a subjetividade.
Palavras-chave: Natureza, simplicidade, ruralidade, sensacionismo, ingenuidade, tranquilidade
Trechos de poemas de Alberto Caeiro:
Há metafísica bastante em não pensar em nada (Poemas completos de Alberto Caeiro, 2006, p. 38).

A minha poesia é natural como o levantar-se vento... (Poemas completos de Alberto Caeiro, 2006, p. 53).

  Para Alberto Caeiro, o que importava era viver o mundo, viver o momento, sem interrogar-se do que se vive. Entretanto, em certos momentos ele se contradizia com sua consciência. Trecho do poema em que esta contradição foi manifestada:
 Porque o ter consciência não me obriga a ter teorias sobre as coisas:
Só me obriga a ser consciente.
(...)
Ter consciência é mais que ter cor?
Pode ser e pode não ser.
Sei que é diferente apenas.
Ninguém pode provar que é mais que só diferente.
                          (Poemas completos de Alberto Caeiro, 2006, p. 109).

 Caeiro encarava a vida com sentimentalismo, como podemos observar no poema “XXIV”, de “O Guardador de Rebanhos”:
 O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa.

Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender”.
                          (Poemas completos de Alberto Caeiro, 2006, p. 63).


O que valia para Caeiro era o hoje, era o presente, era o agora. Era isto e não pensar sobre isto. Eram os verbos “ver” e “ouvir”, e não o “pensar”. “Abolir o pensar para ver e ouvir”, eis seu lema. Segundo Moisés (1991, p. 400), era “o poeta que pensa o seu propósito de não pensar, ou antes, de limitar-se a ver e ouvir”.
 Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo.
                         (Poemas completos de Alberto Caeiro, 2006, p. 34).
Alberto Caeiro apresentava-se autodidata, anti filosófico e anti metafísico. Solitário e neutro. Camponês, de linguagem simples e paradoxal. Sua maior obra foi “O Guardador de Rebanhos”, que escreveu de uma só vez, sendo formada por 49 poemas, e dedicada à memória de Cesário Verde.
 Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinha.
                          (Poemas completos de Alberto Caeiro, 2006, p. 32).

Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?.
                          (Poemas completos de Alberto Caeiro, 2006, p. 38).

Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste  de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.
                          (Poemas completos de Alberto Caeiro, 2006, p. 48).
  Caeiro afirmou não existir "um Deus", por nunca tê-lo visto:
 Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo      
E entraria pela minha porta dentro      
Dizendo-me, Aqui estou!.
                          (Poemas completos de Alberto Caeiro, 2006, p. 39).

Pensar em Deus é desobedecer a Deus,
Porque Deus quis que o não conhecêssemos,
Por isso se nos não mostrou....
                          (Poemas completos de Alberto Caeiro, 2006, p. 41).
   Caeiro, em um trecho do poema “VIII” de “O Guardador de Rebanhos”, apresentou sua versão da história do menino Jesus, inclusive afirmando que Jesus não gostava de Deus:
 Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
(...)
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou –
‘Se é que ele as criou, do que duvido’.
                          (Poemas completos de Alberto Caeiro, 2006, p. 44-45).
E nos últimos versos deste poema questionou a veracidade desta sua versão perante as que ele já conhecia das religiões, num ato de quem tinha consciência daquilo em que acreditava:
            Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?.
                          (Poemas completos de Alberto Caeiro, 2006, p. 47).

 Alberto Caeiro -Temáticas:

  •  Paganismo
  •  Ruralidade.
  •  Refutação da metafísica, da filosofia e do pensamento;
  •  Sensacionismo: sensações visuais e auditivas.
  • Objetivismo: preferência pela exterioridade, comunhão com a Natureza.
Estilo:
  • Marcas de oralidade.
  •  Estilo discursivo.
  • Léxico pobre; 
  • Linguagem simples;
  • Verso livre. 

Ricardo Reis
 “Com mão mortal levo à mortal boca Em frágil taça o passageiro vinho…”
Ricardo Reis surge como uma pessoa ressentida, sofredora, afligida pela ideia da morte e do destino cruel. É cauteloso, vive uma felicidade relativa, tentando sempre usufruir do acessível, sem correr  riscos e esforços.
De formação clássica, usa um vocabulário rebuscado, um estilo denso e trabalhado. Revela um tributo à tradição clássica também na métrica e nas referências mitológicas. A versão clássica dos heterônimos de Fernando Pessoa. Monarquista, educado em colégio de jesuítas, amante das culturas grega e latina. Buscou sempre o mais alto, o impossível em sua poesia, esta refinada, concisa, com linguagem bem trabalhada e vocabulário rebuscado. Participou bastante da revista Presença, da denominada 2ª fase do modernismo português.
       Sua poesia tinha um pouco do paganismo de Alberto Caeiro. Um paganismo consciente, tudo era transitório na vida, pois para ele tudo passava e perdia o sentido diante da morte inevitável.
Palavras-chave: dor, morte, classicismo, medo, resignação, moderação, apatia.

Tudo que cessa é morte, e a morte é nossa
Se é para nós que cessa. Aquele arbusto
       Fenece, e vai com ele
       Parte da minha vida.
Em tudo quanto olhei fiquei em parte.
Com tudo quanto vi, se passa, passo,
       Nem distingue a memória
       Do que vi do que fui.
                                   (Odes de Ricardo Reis, 1983, p. 132).

 Em seus poemas, Reis convidava as pastoras Lídia, Neera e Cloe, a acompanhá-lo nos seus momentos de dor e de prazer, sempre sérios e regrados, de forma equilibrada e serena:
  Prazer, mas devagar,
Lídia, que a sorte àqueles não é grata
       Que lhe das mãos arrancam.
Furtivos retiremos do horto mundo
       Os depredandos pomos.
Não despertemos, onde dorme, a Erínis
       Que cada gozo trava.
Como um regato, mudos passageiros,
       Gozemos escondidos.
A sorte inveja, Lídia. Emudeçamos
                                            (Odes de Ricardo Reis, 1983, p. 122).

Lenta, descansa a onda que a maré deixa,
Pesada cede. Tudo é sonegado.
       Só o que é de homem se ouve.
       Cresce a vinda da lua.
Nesta hora, Lídia ou Neera ou Cloe,
Qualquer de vós me é estranha, que me inclino
       Para o segredo dito
       Pelo silêncio incerto.
Tomo nas mãos, como caveira, ou chave
De supérfluo sepulcro, o meu destino,
       E ignaro o aborreço
       Sem coração que o sinta.
                                   (Odes de Ricardo Reis, 1983, p. 129).

 A natureza em Reis era mantida com o fascínio que tinha Caeiro pela mesma, só que em Ricardo de maneira mais neoclássica, outra característica sua. Adepto do Lócus Amoenus (local ameno) e do Carpe Diem (aproveitar o dia), apresentou a busca pelo equilíbrio contido nos clássicos. A simplicidade natural passou a ser cuidadosamente estudada com ele:
 Coroai-me de rosas,
Coroai-me em verdade
       De rosas –
Rosas que se apagam
Em fronte a apagar-se
       Tão cedo!
Coroai-me de rosas
E de folhas breves.
       E basta.
                (Odes de Ricardo Reis, 1983, p. 77).

Para ser grande, sê inteiro: nada
       Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
       No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
       Brilha, porque alta vive.
                                   (Odes de Ricardo Reis, 1983, p. 146).

 Seus poemas eram odes, poemas líricos, com métrica, estrofes regulares e variáveis, diferentemente de Caeiro. Suas odes voltavam-se aos deuses da mitologia grega. Ao contrário de seu mestre, Reis pensava bastante nos deuses, que para ele, controlavam o destino dos homens e estavam acima de tudo:


O Deus Pã não morreu,
Cada campo que mostra
Aos sorrisos de Apolo
Os peitos nus de Ceres –
Cedo ou tarde vereis
Por lá aparecer
O deus Pã, o imortal.

Não matou outros deuses
O triste deus cristão.
Cristo é um deus a mais,
Talvez um que faltava.
Pã continua a dar
Os sons da sua flauta
Aos ouvidos de Ceres
Recumbente nos campos.

Os deuses são os mesmos,
Sempre claros e calmos,
Cheios de eternidade
E desprezo por nós,
Trazendo o dia e a noite
E as colheitas douradas
Sem ser para nos dar
O dia e a noite e o trigo
Mas por outro e divino
Propósito casual.
                          (Odes de Ricardo Reis, 1983, p. 78).

 esta liberdade nos concedem
Os deuses: submetermo-nos
Ao seu domínio por vontade nossa.
Mais vale assim fazermos
Porque só na ilusão da liberdade
A liberdade existe.
(...)
Nós, imitando os deuses,
Tão pouco livres como eles no Olimpo,
Como quem pela areia
Ergue castelos para encher os olhos,
Ergamos nossa vida
E os deuses saberão agradecer-nos
O sermos tão como eles.
                                   (Odes de Ricardo Reis, 1983, p. 93).

Esta realidade os deuses deram
E para bem real a deram externa.
       Que serão os meus sonhos
       Mais que a obra dos deuses?

Deixai-me a Realidade do momento
E os meus deuses tranqüilos e imediatos
       Que não moram no Vago
       Mas nos campos e rios.
                                   (Odes de Ricardo Reis, 1983, p. 96).


Para os Deuses as coisas são mais coisas.
Não mais longe eles vêem, mas mais claro
Na certa Natureza
E a contornada vida...
Não no vago que mal vêem
Orla misteriosamente os seres,
Mas nos detalhes claros
Estão seus olhos.
A Natureza é só uma superfície.
Na sua superfície ela é profunda
E tudo contém muito
Se os olhos bem olharem.
Aprende, pois, tu, das cristãs angústias,
Ó traidor à multíplice presença
Dos deuses, a não teres
Véus nos olhos nem na alma.
                                   (Odes de Ricardo Reis, 1983, p. 157).
Entretanto, mesmo diferente de Caeiro no que se referia à ligação com algum Deus, Reis apresentou alguns versos e odes próximos do que pregava Caeiro: o apego à natureza, a solidão e o não - pensar, ainda assim este devotado aos deuses.
 Segue o teu destino,
Rega tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixar a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não pensam.
                          (grifos meus). (Odes de Ricardo Reis, 1983, p. 109).

Ricardo Reis - Temáticas:
  •   Intelectualização das emoções;
  •  “Carpe Diem”.
  •  Precariedade da vida e fatalidade da morte.
  •  Estoicismo: felicidade pela apatia.
  • Epicurismo: busca da felicidade relativa.
Estilo:
  •  Verso branco ou solto.
  • Seleção cuidada das palavras.
  • Estilo denso e trabalhado.
  • Uso de latinismos.
  •   Sintaxe complexa. 

 Álvaro de Campos
“Sentir tudo de todas as maneiras.”
Apresentou-se como o mais moderno entre os “irmãos heterônimos”.Pode-se dizer também, o mais indisciplinado. Homem voltado para o impulso das emoções, para o presente, para as modernidades que o mundo apresentava, aberto à realidade, algo contrário dos seus dois irmãos, Caeiro e Reis, mais voltados à natureza bucólica e ao paganismo.  Álvaro fez o papel do heterônimo mais próximo às tendências do início do modernismo europeu, influenciado principalmente pela geração futurista.
 Assim como Reis, Álvaro escreveu algumas odes, mas, ao contrário daquele, muito longas, sem a linguagem cuidadosa do outro – em alguns versos até com uso de onomatopéias e sons representados pelo uso repetitivo de algumas letras –, sem exaltação aos deuses, e com um pouco de ironia que lhe era peculiar, de maneira mais despojada, nem por isso descompromissada.

Palavras-chave: futurismo, progresso, mecânica, velocidade, avidez de vida e emoções; frustração, cansaço, ceticismo.

Eia comboios, eia pontes, eia hotéis à hora do jantar
Eia aparelhos de todas as espécies, férreos, brutos, mínimos,
Instrumentos de precisão, aparelhos de triturar, de cavar,
Engenhos, brocas, máquinas rotativas!
Eia! eia! eia!
Eia eletricidade, nervos doentes da Matéria!
Eia telegrafia-sem-fios, simpatia metálica do Inconsciente!
Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel, Suez!
Eia todo o passado dentro do presente!
Eia todo o futuro já dentro de nós! eia!
Eia! eia! eia!.
                (Álvaro de Campos, In: Panorama da Literatura Portuguesa, 1997).

Hela-hoho comboio, automóvel, aeroplano minhas ânsias,
Velocidade entra por todas as idéias dentro,
Choca de encontro a todos os sonhos e parte-os,
Chamusca todos os ideais humanitários e úteis,
Atropela todos os sentimentos normais, decentes, concordantes,
Colhe no giro do teu volante vertiginoso e pesado
Os corpos de todas as filosofias, os tropos de todos os poemas,
Esfrangalha-os e fica só tu, volante abstrato nos ares,
Senhor supremo da hora européia, metálico cio.
Vamos, que a cavalgada não tenha fim nem em Deus!.
                                   (Poesias de Álvaro de Campo, 1983, p. 87).
 Influência do futurismo no poeta: 

À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.

Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!.
                (“Ode Triunfal”. Poesias de Álvaro de Campos, 1983, p. 25).

Tremo com frio da alma repassando-me o corpo
E abro de repente os olhos, que não tinha fechado.
Ah, que alegria a de sair dos sonhos de vez!
Eis outra vez o mundo real, tão bondoso para os nervos!
Ei-lo a esta hora matutina em que entram os paquetes que chegam cedo.
      
Já não me importa o paquete que entrava. Ainda está longe.
Só o que está perto agora me lava a alma.
A minha imaginação higiênica, forte, prática,
Preocupa-se agora apenas com as coisas modernas e úteis,
Com os navios de carga, com os paquetes e os passageiros,
Com as fortes coisas imediatas, modernas, comerciais, verdadeiras.
                (“Ode Marítima”. Poesias de Álvaro de Campos, 1983, p. 60).

Álvaro de Campos - Temáticas:
  •  Solidão, isolamento;
  •  Cansaço existencial, frustração.
  • Sadismo e masoquismo.
  •  Atitude escandalosa.
  • Civilização mecânica, industrial.
Estilo:
  • Universo simbólico.
  •  Ordenação caótica das palavras.
  •  Pontuação expressiva.
  • Verso livre e muito longo

 A unidade poética
      
Com uma tal falta de gente coexistível, como há hoje, que pode um homem de sensibilidade fazer senão inventar os seus amigos, ou quando menos, os seus companheiros de espírito? (FERNANDO PESSOA).

Esta a afirmação de Pessoa a partir da qual mais é possível identificar o princípio da criação dos seus heterônimos. Um poeta que fez nascerem três diferentes personagens para expressar o que sozinho não conseguiria: as diferentes observações e sensações que criava para com o mundo no qual vivia – ao ler sua obra, ser possível imaginá-lo caindo de pára-quedas nesse mundo, tamanho seu grau de observação e dos variados sentires e pensares que apresentava.
Em vida, Fernando Pessoa nunca recebeu o reconhecimento que merecia. Pode-se até dizer que viveu em certa obscuridade, sempre discreto, silencioso. Muito se importou com a intelectualidade humana e sempre quis divulgar “sua pátria”, a língua portuguesa. Como poeta e escritor, nunca se considerou um profissional. Para ele, ser poeta e escritor era vocação. Sua obra ortônima apresentou a procura por um certo patriotismo perdido, com uma poesia sensacionista – próxima e ao mesmo tempo distante da de Alberto Caeiro – heróica, ás vezes, trágica. Para o poeta, todo objetivo é uma sensação nossa, toda arte é conversão da sensação em objeto, e toda arte é também conversão da sensação em sensação (interseccionismo). É o que pode-se observar nos versos do poema “Isto”, que muito refletem o Caeiro nele existente.


Dizem que finjo ou minto
Tudo o que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!.
                          (grifos meus). (Antologia Poética, 2001, p. 26).


 Referências bibliográficas

CEREJA, William Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Panorama da literatura portuguesa – ensino médio. 2ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Atual, 1997.
 MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. 26ª ed. ver. e ampl. São Paulo: Cultrix, 1991.
 PESSOA, Fernando. Antologia poética. Int. e seleção de Walmir Ayala. 2ª ed. reform. São Paulo: Ediouro, 2001. – (Coleção antologias).
__________. Ficções do interlúdio/2-3: Odes de Ricardo Reis/3: Para além do outro oceano de C[oelho] Pacheco. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.

__________. Ficções do interlúdio/4: Poesias de Álvaro de Campos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.

__________. Mensagem. São Paulo: Martin Claret, 2003.

__________. Poemas completos de Alberto Caeiro. São Paulo: Martin Claret, 2006